Texto de Rafael de Barros


Nessa quarta-feira, dia 01 de setembro de 2021, o Circo Teatro Palombar estreou seu novo espetáculo "CircomUns", compondo a programação do Festival de Circo do Sesc São Paulo, em transmissão on-line pelo Youtube. 


As câmeras abrem e vemos um cenário cheio de tiras coloridas, suspensas por armações de ferro, já nos apresentam a ludicidade da arte e as construções da metrópole em diálogo. Uma guitarra distorcida que faz base para um rap, abrem os caminhos para os artistas que pisarão no palco em breve. Eles cantam: "eu sou artista, meu sangue é periferia." Não a toa, o Palombar nos conta, na primeira cena, que são (e tem orgulho de serem) da Cidade Tiradentes, extremo Leste de São Paulo.


Assim começa, um artista de rua chega na praça "pra mais um dia de trabalho". Dessa forma, o Palombar constrói todo o discurso do espetáculo, levam a arte como ofício, e se colocam em diálogo com os trabalhadores e trabalhadoras da sua cidade. Ao final, o mágico que simula um número na rua, passa o chapéu. Um simbolismo, ao mesmo tempo questionador das formas de financiamento das artes, e agradecido, por sabermos que o chapéu é uma das maneiras mais antigas que os artistas de rua recebem seu sustento.


"Vai trabalhar seu vagabundo"! Sai um grito de alguém que assiste o mágico. O próprio mágico nos conta que teve um sonho, onde toda a plateia estava nesse sonho, mas o homem que gritou fazia parte do pesadelo.


Todo costurado com músicas que narram sobre a sonoridade polifônica da metrópole, os sons de motores e martelos, misturados as melodias individuais de cada fone de ouvido. Quem já andou ouvindo música em São Paulo, sabe dessa sobreposição sonora que eles trazem ali.

"Estou partindo ou chegando, descendo ou subindo? Sei Lá!"


É na correria da cidade que os personagens se equilibram nas próprias rotinas. Já não sabem se chegam em casa, ou se a casa é o trabalho, já que passam mais tempo na rua. E todos se perguntam, onde é a chegada? Está descendo ou subindo do ônibus. Quem sabe?


Somos envolvidos em números de extrema destreza. As mágicas brincam com o charlatanismo, mas dão conta de serem surpreendentes e muito bem executadas. Assim como o número de malabarismo com chapéus, onde o artista mantem os 5 (cinco) chapéus no ar, voando. O Palombar sempre traz em seus espetáculos um primor técnico, e nesse novo trabalho nos mostra uma grande evolução nesse sentido.


Super Cleytinho, um dos personagens, pode ser qualquer menino que pega duas horas de transporte pra ir e duas horas pra voltar.  Acaba por desenvolver um SUPER PODER pra dar conta de pegar o busão lotado. Assim, consegue se equilibrar na bicicleta que falta uma roda, à uma altura considerável do chão, enquanto toca trompete e sanfona. "Dez vezes melhor, pra ser visto como igual" diria Emicida.


O motoboy que carrega a mochila do tamanho de uma casa, e que a própria casa é sustentada pelo que carrega na mochila. É o homem mais forte do mundo? Se não é a própria vida carregada nas costas, o que seria? Então ele entra na mochila e de lá faz seu número de manipulação de um cubo gigante. Atravessar a cidade para entregar um documento é tão difícil como manipular esse cubo gigante?


Palombar nos convida a pensar, quem são os artistas que fazem essa cidade acontecer? É possível viver na metrópole sem vivenciarmos momentos lúdicos? Isso nos tira da realidade ou nos ajuda a dar conta da rotina? No fim das contas, não é o eletricista que se equilibra no remendo do fio para levar o sustento pra casa? Quem é artista nessa cidade?


Quantos trabalhadores são necessários para que vivamos na metrópole paulistana com tanta vida artístico/cultural. É o que o Palombar nos mostra: a vida artística do cotidiano. Uma homenagem pra quem volta cansado no final da tarde, sabendo que se não tiver uma crença em algo a mais do que os olhos veem, não vai acreditar que pode caber no vagão do trem. Do Centro pra Zona Leste, o trem as seis da tarde, faz a gente duvidar da metafísica. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço?


Duvidamos da física novamente, o Circo nos faz duvidar da lei da gravidade. Como é possível alguém andar em cima de um arame, assim como faz o artista da Trupe?


Ele se equilibra no próprio fio da vida, e vira um boneco que “dança” pelas engrenagens da cidade, nos lembra a cena dos Tempos Modernos, de Charles Chaplin. Leva ou é levado? Elevado.


A trilha de Boom Bap, (estilo de rap que teve ascensão no final dos anos 80, muito utilizado por diversos grupos do rap nacional) compõe o número de destreza da Roda Cyr - essa roda da foto que acompanha o texto. Falo sobre o rap para demonstrar a sobreposição dos ritmos que o Palombar trabalha nesse espetáculo. Diversas camadas de sentidos, e ainda assim, como é da própria linguagem circense, logram fazer um espetáculo divertido e cheio de energia.


Nos lembram ao final. "Eu sou artista, meu sangue é periferia" Onde todos os integrantes cantam, entre outras frases, o rap de abertura do espetáculo.


"Pode rir, ri mas não desacredita não", diria Mano Brown. Noto essa energia permeando todo o espetáculo. Manter um grupo depois de um ano e meio de pandemia e ainda sustentar um novo processo criativo. Além disso, conseguir trazer questionamento e leveza para o palco como fez o Palombar nessa noite, mostra que a renovação da linguagem circense está acontecendo a cada dia. Mesmo que boa parte do cotidiano e da própria cidade nos distancie disso, seguiremos esse cultivo lúdico.


Obrigado, Circo Teatro Palombar.  

LINK do espetáculo que fica até domingo no ar: https://www.youtube.com/watch?v=Wy82wxXKHpQ 

O Circo Teatro Palombar tem 11 integrantes que mantêm um processo cooperativo e contínuo de pesquisa e criação. Desde sua origem, em 2012, o grupo vem contribuindo com a formação de crianças e jovens por meio de aulas de circo gratuitas em Cidade Tiradentes. O Circos - Festival Internacional Sesc de Circo chega à sua 6ª edição de forma totalmente on-line e gratuita. De 28/8 a 4/9, a programação reúne criações inéditas e uma série de atividades formativas para todos os públicos. Saiba mais em circos.sescsp.org.br. (Fonte: Canal do Sesc no Youtube)